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Operação Acolhida: a modalidade institucional e o sucesso na integração dos refugiados venezuelanos

Atualizado: 24 de jun. de 2021

Maria Carolina Chaves Indjaian

Neta de refugiados armênios, advogada e trabalhadora humanitária e atualmente coordena a Unidade de Interiorização do ACNUR em Boa Vista, Roraima. Dedica sua vida profissional e pessoal às pessoas forçadas a saírem de seus países.

Fonte: Angélica Furquim - Recepção dos refugiados e migrantes na primeira acolhida em Curitiba

O número de pessoas venezuelanas que deixaram o país por conta da grave e generalizada violação de direitos humanos[1] já ultrapassa 4 milhões[2], de acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). O Brasil é o quinto país que mais recebe essa população, atrás de Equador, Chile, Peru e Colômbia.


Visando garantir o atendimento humanitário ao considerável fluxo de refugiados e migrantes venezuelanos que chegavam à fronteira norte do país, em 2018, o governo federal instituiu uma força-tarefa logística humanitária sem precedentes no país, com o apoio de agências das Nações Unidas (ONU) e mais de uma centena de organizações da sociedade civil.


A Operação Acolhida[3] já atendeu cerca de 260 mil pessoas que se viram forçadas a sair da Venezuela e é organizada em três principais eixos: ordenamento de fronteira, onde a pessoa é devidamente documentada e vacinada; abrigamento, que provê as necessidades básicas como alimentação e atenção à saúde e a interiorização, que consiste no deslocamento voluntário de beneficiários, visando a sua integração socioeconômica em outros estados brasileiros, que possuem melhores oportunidades de vida em comparação ao extremo norte do país.


Neste artigo, daremos enfoque ao último e mais importante pilar da Operação Acolhida, que já demonstrou ser um sucesso e modelo de integração socioeconômica de refugiados e migrantes venezuelanos no país, com enfoque principal na modalidade institucional de deslocamento voluntário.


A interiorização, ao mesmo tempo em que demonstra ser uma efetiva solução duradoura para aqueles que buscaram refúgio no Brasil, também é uma forma de mitigar os efeitos do fluxo migratório venezuelano no extremo norte do país, beneficiando tanto as pessoas que necessitam de uma oportunidade para reconstruir suas vidas, quanto o governo que as acolheu e apostou em estratégias para efetivar esse novo capítulo de suas histórias.

INTERIORIZAÇÃO


A Estratégia de Interiorização foi criada visando oportunizar aos milhares de refugiados e migrantes venezuelanos que buscaram o Brasil como país de acolhida opções sustentáveis de integração socioeconômica em outras cidades brasileiras, que oferecem melhores oportunidades de meios de vida.


Criada em abril de 2019, divide-se em quatro modalidades: institucional, reunificação familiar, reunião social e vaga de emprego sinalizada[4].


A modalidade institucional, historicamente conhecida como abrigo-abrigo, foi a primeira modalidade de interiorização da estratégia de realocação voluntária do governo federal. Tem como ator principal o ACNUR e também conta com o apoio de outros atores, incluindo os da sociedade civil e destina-se a mapear instituições nas cidades de acolhida que viabilizam a integração socioeconômica de perfis mais vulneráveis, dentre eles famílias compostas por mães sozinhas com crianças, pessoas com deficiência, população LGBTI, idosos e outros perfis com necessidades específicas, através de um abrigamento temporário, de em média 3 meses, nos chamados centros de acolhida e integração.


Após a indicação de quais perfis familiares será possível receber nos centros de acolhida, inicia-se o planejamento de voos em Boa Vista, que contempla desde a avaliação pelas instituições que estão facilitando a interiorização de caso a caso dos beneficiários, incluindo suas necessidades específicas, até a logística operacional, realizada pela Força Tarefa Logística Humanitária, composta pelas Forças Armadas brasileiras.


Esses espaços de recepção e integração, em sua grande maioria, contam com uma equipe multidisciplinar, composta de assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais especializados que irão analisar individualmente cada caso, observando suas especificidades com vistas ao encontro das oportunidades locais, através de uma forte articulação com as redes estaduais e municipais. É justamente esse alinhamento prévio com os organismos locais, aliado ao monitoramento e elaboração de plano individual familiar, que resulta num alto índice de integração socioeconômica, como revela o recente relatório divulgado pelo ACNUR em parceria com a organização Aldeias Infantis, mantenedora de 9 centros de acolhida financiados pela organização das Nações Unidas para Refugiados, intitulada: “A INTERIORIZAÇÃO DE VENEZUELANOS NA MODALIDADE INSTITUCIONAL: lições aprendidas, desafios e oportunidades[5]”.


Desde o seu início, a modalidade institucional já beneficiou 11.363 pessoas, de acordo com os dados do Painel de Interiorização[6], ferramenta interativa que reúne os dados históricos de todas as modalidades de interiorização, idealizado pelo ACNUR em parceria com o Ministério da Cidadania, que também conta com o apoio da Organização Internacional para as Migrações (OIM).


O estudo foi realizado com 198 pessoas venezuelanas que passaram pelos centros de acolhida e integração, em dezembro de 2020, através de preenchimento de formulário via online ou entrevistas via telefone, por colaboradores da Aldeias Infantis e traz importantes dados a respeito da avaliação dos serviços prestados pela Operação Acolhida, através do ACNUR e seus parceiros, na modalidade institucional de interiorização.


Um dos resultados positivos revelado pelo estudo diz respeito ao acesso à educação formal, onde 63% dos entrevistados disseram que as crianças e adolescentes estavam matriculadas na escola. Os 37% restantes relataram a mudança de cidade, ausência de creche, processo de matrícula em andamento e/ou a situação da pandemia como fatores que impossibilitaram a realização de matrícula. Há espaço para melhora nesse aspecto, mas, ao considerarmos que o estudo foi realizado em um momento crítico da pandemia no país, a presença de mais de metade das crianças com acesso formal à educação deve ser considerada um fator positivo, que está intrinsicamente ligado ao trabalho de acompanhamento e incentivo, realizado dentro dos centros de acolhida e integração.

Outro ponto positivo que se destaca faz referência à coexistência pacífica e integração dos beneficiários com a população brasileira, onde 93% dos respondentes afirmaram ser boa, ou muito boa (47%), 5% relataram ser regular e apenas 2% consideraram essa relação ruim (1%) ou muito ruim (1%). Ainda foi levantado um importante aspecto relacionado à xenofobia, onde 77% relataram não ter sofrido nenhum caso de discriminação e 23% afirmaram já terem suportado tais episódios.


As condições atuais de moradia também foram alvo de estudo, com resultados significativamente positivos. 98% dos respondentes afirmaram ter acesso à energia elétrica, 99% com acesso a água potável e 97% com acesso ao saneamento básico.


Outro ponto relevante identificado no estudo diz respeito ao acesso à cursos de língua portuguesa, que demonstrou ser insatisfatório, após análise dos dados coletados, demandando reforço nas ações pré, durante e pós viagem. Apenas 48% dos respondentes afirmaram ter realizado algum curso de português por mais de 30 dias no Brasil e os 52% restantes não o fizeram.


Esses quatro elementos, acesso à educação formal por parte das crianças e adolescentes, coexistência pacífica e integração com brasileiros, acesso à condições dignas de moradia e conhecimento da língua portuguesa são fundamentais para entendermos o impacto de todas as ações realizadas voltadas à interiorização no âmbito da Operação Acolhida, desde o extremo norte do país até os 21 estados federativos[7] que acolheram refugiados e migrantes através da modalidade institucional. São também aspectos intimamente ligados à obtenção de uma integração sustentável, de modo a efetivar soluções duradouras para a população refugiada e migrante venezuelana no Brasil.


A forma como o governo federal optou por lidar com o fluxo de pessoas venezuelanas que se viram forçadas a sair de seu país de origem, através da instituição da Operação Acolhida, deve ser vista como motivo de orgulho pelos brasileiros e é, dentro do campo humanitário, reconhecida internacionalmente pela sua qualidade.


A estratégia de interiorização, através de suas quatro modalidades, possibilitou, até hoje[8], o recomeço das vidas de 51.375 refugiados e migrantes no Brasil. Um quinto deste número foi beneficiado pela modalidade institucional, que conta com um arcabouço robusto, equipado com centros de acolhida e integração, recursos humanos, cursos profissionalizantes, articulação com o governo e redes locais, dentre outros, para possibilitar uma integração socioeconômica sustentável àqueles que voluntariamente optaram por participar desta forma de realocação voluntária promovida pela Operação Acolhida.

O fortalecimento dos serviços das cidades que generosamente vêm acolhendo essa população, que tanto necessita de uma oportunidade para recomeçar, é imprescindível para que isso ocorra de maneira sustentável.


É através da consolidação da atuação de organismos internacionais em conjunto com atores da sociedade civil em estreita articulação com as redes locais e governos que é possível atingir este objetivo. Atrás dessa cadeia enorme de articulações, após o período de permanência nos centros de acolhida e integração, as cidades estarão melhor preparadas para atender às demandas da população refugiada e migrante venezuelana, assim como os beneficiários o fizeram, se preparando e capacitando para o momento de saída desses espaços, em busca de uma nova vida, com autonomia, no país que os acolheu.



REFERÊNCIAS:

ACNUR. A INTERIORIZAÇÃO DE VENEZUELANOS NA MODALIDADE INSTITUCIONAL: lições aprendidas, desafios e oportunidades. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2021/05/Sum%C3%A1rio-Pesquisa-Acnur-Aldeias-pt9219.pdf

BRASIL. Operação Acolhida – Histórico. Disponível em: https://www.gov.br/acolhida/historico/.

BRASIL. Painel de Interiorização. Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/snas/painel-interiorizacao/

JUSTIÇA. Em 2019, o governo brasileiro, através do CONARE reconheceu a grave e generalizada violação de direitos humanos na Venezuela. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1564080197.57/sei_mj-8757617-estudo-de-pais-de-origem-venezuela.pdf.

[1] Em 2019, o governo brasileiro, através do CONARE reconheceu a grave e generalizada violação de direitos humanos na Venezuela. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1564080197.57/sei_mj-8757617-estudo-de-pais-de-origem-venezuela.pdf [2] Disponível em: https://www.unhcr.org/venezuela-emergency.html#:~:text=Over%204%20million%20Venezuelans%20have,world's%20biggest%20recent%20displacement%20crises [3] Operação Acolhida – histórico. Disponível em: https://www.gov.br/acolhida/historico/ [4]A modalidade de reunificação familiar é destina-se àquelas pessoas que possuem familiares fora dos estados de Roraima e Amazonas, com parentesco comprovado e possibilidade financeira de recepção na cidade de destino. A reunião social possui a mesma dinâmica da modalidade anterior, mas o receptor, pessoa responsável por acolher o refugiado ou migrante, pode ser um amigo ou alguém de confiança. Por fim, a vaga de emprego Sinalizada (VES) possibilita a pessoa sair de Roraima através de uma oportunidade de emprego sinalizada na cidade destino, após processo de seleção e entrevista no estado do norte do país. [5] Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2021/05/Sum%C3%A1rio-Pesquisa-Acnur-Aldeias-pt9219.pdf [6]Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/snas/painel-interiorizacao/ [7] São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Amazonas, Distrito Federal, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Bahia, Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Norte, Rondônia, Ceará, Sergipe, Espírito Santo, Acre e Pará receberam 11.363 beneficiários pela modalidade institucional desde o início da estratégia de interiorização, em abril de 2019. [8] Dados do dia 18/05/2021, disponíveis em: http://aplicacoes.mds.gov.br/snas/painel-interiorizacao/

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